Quase 62% das rodovias asfaltadas no Brasil estão em estado regular, ruim ou péssimo. É o que aponta a Pesquisa CNT de Rodovias, que avaliou 105,8 mil km de estradas em todo o país, incluindo toda a malha federal e as principais estradas estaduais, tanto sob gestão pública quanto privada. Feita pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), com apoio do Serviço Social do Transporte (Sest) e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), essa pesquisa, que está em sua 21a edição, constatou uma piora em relação a 2016, quando 58,2% das extensões analisadas foram consideradas regulares, ruins ou péssimas.
Em 2017, 24 equipes de pesquisadores percorreram 2.555 km a mais (ou 2,5%) em relação à edição anterior. O percentual de rodovias consideradas em bom ou ótimo estado ficou em 38,2% das rodovias, uma queda sobre 2016, que apurou 41,8% nessa condição.
A deterioração é maior nas rodovias sob gestão pública, mas as privatizadas também apresentaram piora na qualidade geral. Em 70,4% da extensão das rodovias geridas pelo setor público, a qualidade foi avaliada como regular, ruim ou péssimo e 29,6% foram consideradas com estado geral ótimo ou bom. No ano passado, esses percentuais foram 67,1% e 32,9%, respectivamente.
Já nas rodovias concedidas, em 2017, 25,6% dos trechos tiveram o estado geral classificado como regular, ruim ou péssimo; e 74,4% atingiram a classificação ótimo ou bom. Na pesquisa anterior, esses índices foram 21,3% para regular, ruim ou péssimo e 78,7% para ótimo e bom.
De modo geral, a principal razão dessa deterioração, segundo o relatório da CNT, é a drástica redução dos investimentos em infraestrutura rodoviária na última década. Segundo o presidente da CNT, Clésio Andrade, a queda na qualidade das estradas brasileiras tem relação direta com um histórico de baixos investimentos em infraestrutura rodoviária e com a crise econômica dos últimos anos. Em 2011, os investimentos somaram R$ 11,21 bilhões. Já, em 2016, o volume investido caiu para R$ 8,61 bilhões, praticamente retrocedendo ao nível de 2008.
Já a redução dos índices de qualidade das rodovias concedidas tem causas diversas – entre elas estão o aumento dos custos de financiamento de obras de infraestrutura e problemas em contratos de concessão, o que afetou os investimentos previstos. A redução no fluxo de veículos devido à crise também afeta a arrecadação e dificulta o investimento.
A CNT aponta a urgência de implementação, pelo governo federal, de um plano para reparar os principais problemas identificados na pesquisa, o que inclui reconstrução e restauração de pavimento, construção de acostamentos e a pintura de faixas centrais e laterais onde não existem. A confederação defende também o fortalecimento dos órgãos públicos que atuam no setor, como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e a PRF; a modernização dos sistemas de fiscalização e controle de obras públicas de infraestrutura rodoviária e a reformulação do modelo brasileiro de concessões rodoviárias como forma de estimular os investimentos privados.
É preciso investir mais
Segundo o Plano CNT de Transporte e Logística, para prover uma infraestrutura rodoviária adequada à demanda nacional, seriam necessários investimentos da ordem de 293,8 bilhões.
Apenas para manutenção, restauração e reconstrução dos 82.959 km onde a Pesquisa CNT de Rodovias 2017 encontrou trechos desgastados, trincas em malha, remendos, afundamentos, ondulações, buracos ou pavimentos totalmente destruídos seriam necessários R$ 51,5 bilhões.
“Depois de atravessar a pior recessão de sua história, o Brasil precisa consolidar o processo de recuperação econômica registrado no segundo semestre de 2017. A expansão dos investimentos em infraestrutura é o caminho mais rápido e seguro para alcançarmos um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, com geração de empregos e distribuição de renda para todos os brasileiros”, afirma o presidente da CNT, Clésio Andrade.
Segundo ele, a retomada econômica do Brasil exige uma maior eficiência na infraestrutura de transporte. “Assegurar a recuperação e a expansão da nossa malha rodoviária mostra-se imprescindível para permitir um crescimento social e econômico com bases permanentes”, afirma.
Mas, segundo a CNT, os números revelam uma realidade bem diferente. Historicamente, cerca de 30% do orçamento disponível pelo governo federal não é aplicado. De 2004 a 2016, dos R$ 127,07 bilhões autorizados para infraestrutura rodoviária no Brasil, apenas R$ 89,40 bilhões foram efetivamente desembolsados (70,4%). Com o recurso não investido (R$ 37,67 bilhões), a Confederação calcula que poderiam ser reconstruídos 1.136 km de rodovias com pavimento destruído, 27.681 km seriam restaurados e 9.084 km de trechos desgastados teriam manutenção. Em 2017, até outubro, dos R$ 9,4 bilhões autorizados, R$ 5,4 bilhões tinham sido pagos pelo governo federal (57,5%).
Principais problemas encontrados
Durante 30 dias, as equipes da Pesquisa CNT de Rodovias avaliaram o estado geral das estradas, seu pavimento, sinalização e geometria da via. A sinalização foi o aspecto que mais se deteriorou: 40,8% das extensões avaliadas apresentavam sinalização ótima ou boa, enquanto, no ano passado, esse percentual foi de 48,3%. Na outra ponta, em 59,2% dos trechos a sinalização foi considerada regular, ruim ou péssima.
Em metade (50%) das extensões avaliadas, o pavimento foi considerado regular, ruim ou péssimo, também com crescimento em relação a 2016, cujo percentual foi de 48,3%. Em relação à geometria da via o resultado se manteve igual ao ano passado, com 77,9% das rodovias avaliadas como regular, ruim ou péssima. Apenas 22,1% tiveram classificação boa ou ótima.
No aspecto segurança, foram identificados 363 pontos críticos, entre eles trechos com buracos grandes, quedas de barreira e erosões, que contribuem para elevar ainda mais os custos e para aumentar o risco. Outros problemas graves identificados foram a falta de acostamento em 44,7% dos trechos, a ocorrência de curvas perigosas sem placas e defensas em 49,6% da extensão e a deterioração do pavimento, que tem 78,4% da superfície com problemas.
A pesquisa traz ainda informações sobre infraestrutura de apoio, como postos policiais, postos de abastecimento, borracharias, concessionárias e oficinas de caminhões ou ônibus, restaurantes e lanchonetes.
Reflexos da precariedade
Segundo o relatório da 21ª Pesquisa CNT de Rodovias, a falta de qualidade das estradas aumenta os custos operacionais do setor e compromete a segurança viária, o que aumenta o tempo de viagem e gera perda de eficiência logística. Há mais acidentes e elevação do preço do frete, consequentemente subindo também o valor dos produtos. O consumo de diesel aumenta e, por consequência, é maior a emissão de poluentes.
De acordo com o estudo, as más condições das estradas brasileiras levam a um aumento médio de 27% nos custos de transporte. Esse incremento nos custos pode ser superior a 90% nos trechos em que o pavimento é avaliado como péssimo.
A pesquisa apontou uma queda no número de acidentes em rodovias federais pelo segundo ano consecutivo, mas essa queda pode ser decorrente da mudança de metodologia na forma como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) computa as ocorrências. Desde 2015, em caso de acidentes sem vítimas, as pessoas envolvidas é que devem registrar o fato. Em 2016, houve 96,3 mil acidentes e 6.398 mortes, cujos custos (R$ 10,88 bilhões) superam os R$ 8,61 bilhões investidos em melhorias e conservação das rodovias federais. Em 2015, 121 mil acidentes e 6.837 mortes.
A CNT estima ainda que, em 2017, 832,3 milhões de litros de diesel tenham sido desperdiçados em decorrência das más condições das estradas, um prejuízo de R$ 2,54 bilhões às transportadoras.
Foco na microeconomia
Para o economista e professor do Ibmec, Walter Franco, o Brasil precisa avançar nos gargalos que dificultam a retomada da economia. “Temos visto uma melhora, mas não no ritmo que nos interessa. Por isso, venho batendo na tecla de que precisamos olhar a importância da microeconomia. Em relação à distribuição de produtos, se o país não tem infraestrutura de estradas adequada, fica difícil escoar qualquer coisa que seja”, observa.
Para ele, a saída possível para avançar em infraestrutura de rodovias, portos e aeroportos é a privatização, já que o governo tem prioridades mais urgentes, como saúde, segurança e educação. “É importante que o governo se atente à necessidade de atrair investimentos para essa área. O capital privado pode facilitar o acesso ao mercado com agilidade”, afirma.
Enquanto a melhora das estradas não ocorre, Walter Franco aponta como caminho para a sobrevivência dos negócios ligados à distribuição de produtos, como o caso de medicamentos especiais e excepcionais, a adoção de uma estratégia que garanta a capilaridade, a agilidade e qualidade na entrega dos produtos.
Diante da realidade precária de infraestrutura e das dimensões continentais do Brasil, como virar o jogo? “O operador deve planejar muito bem sua atuação de forma a passar por cima dos problemas estruturais, tendo mais centros de distribuição regionalizados, porém menores, estrategicamente localizados, mais informatizados, mais conectados e mais ágeis para fazer o produto chegar ao consumidor. Isso é mais importante do que a qualidade da infraestrutura.”

Aposta na capilaridade
De um lado, os clientes não querem ter estoque e fazem seus pedidos à medida da necessidade. Na outra ponta, os distribuidores precisam criar estratégias para entregar em qualquer ponto do país com agilidade e qualidade, driblando buracos e outros problemas das estradas e aeroportos. Os distribuidores de medicamentos especiais e excepcionais têm de superar uma série de dificuldades para fazer com que esses remédios estejam disponíveis em todo o país e possam salvar vidas.
“A falta de boas condições nas estradas, principalmente, tem alto impacto no custo logístico. Mas o pior reflexo é no nível de serviço. Lidamos com produtos oncológicos e para doenças raras, por exemplo. Precisamos ter uma logística muito eficiente para garantir a entrega no prazo e com qualidade”, afirma o diretor do Grupo Elfa, Igor Spreafico.
Para isso, o Grupo Elfa apostou na expansão de seus centros de distribuição. Por meio de aquisições, a empresa hoje tem três CDs na Região Sul, um em São Paulo, um em Brasília, um em Minas Gerais, um em João Pessoa. Montou também serviços de entrega para pessoa física em São Paulo, Belo Horizonte e João Pessoa.
Desses centros de distribuição, os medicamentos (55% do volume total) são enviados para todo o Brasil por veículos pequenos e médios próprios e contratados. “Fazemos um rigoroso processo de homologação de fornecedores, que devem cumprir os padrões operacionais exigidos pela Anvisa, e periodicamente realizamos auditorias”, informa Igor.
O transporte aéreo em voos comerciais concentra 45% do volume distribuído pelo grupo e é opção principalmente entre os centros de distribuição de São Paulo e Brasília. Igor afirma que a infraestrutura de aeroportos melhorou com os investimentos feitos para a Copa do Mundo, mas são necessárias mais opções de voos para cargas. “Nós treinamos os times das companhias aéreas para transportar os medicamentos, mas, às vezes, voos comerciais cortam a disponibilidade de espaço para cargas, porque a prioridade são os passageiros”, conclui.
Editora Conteúdo/Abgail Cardoso


