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Reforma Tributária ameaça a sustentabilidade da distribuição de medicamentos no Brasil, alerta ABRADIMEX

Um elo crucial da cadeia de saúde pode ser enfraquecido com a Reforma Tributária proposta na PEC 45/2019. Ao extinguir benefícios fiscais que hoje garantem margens à distribuição de medicamentos especializados – responsáveis por 62% das vendas do setor, o equivalente a R$ 48,1 bilhões no último ano – o novo sistema pode tornar inviável a remuneração dos distribuidores. “Sem revisão, os distribuidores podem quebrar, e quem vai pagar é o paciente”, afirma Paulo Maia, presidente-executivo da Associação Brasileira dos Distribuidores de Medicamentos Especializados, Excepcionais e Hospitalares (Abradimex). Segundo ele, estão em risco, além do negócio, as entregas em regiões remotas, onde medicamentos de até R$ 1 milhão por unidade são distribuídos sob alta logística e pouco retorno.

O setor trabalha hoje sob incentivos fiscais que compensam margens apertadas, pressionadas por produtos de altíssimo custo, logística complexa e risco de inadimplência. Com a PEC 45/2019, esses incentivos deixam de existir e todos os tributos passam a ser unificados no novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), aumentando o custo da operação sem espaço para repasse aos hospitais. De acordo com Maia, 83% dos custos do setor são apenas com a compra dos medicamentos, restando pouco para financiar transporte, embalagens qualificadas e a rede de distribuição que alcança regiões de difícil acesso. Qualquer aumento tributário, afirma, tende a comprometer a operação. Sem margem para absorver os custos, o setor argumenta que a extinção dos benefícios fiscais torna a operação matematicamente deficitária – e, portanto, insustentável.

Segundo levantamento da Deloitte encomendado pela Abradimex, 62% das vendas de medicamentos no país passam pela distribuição – o equivalente a R$ 48,1 bilhões no período analisado entre agosto de 2023 e agosto de 2024. São 15 empresas associadas que atendem 310 corporações e distribuem para 15 mil instituições de saúde. Os medicamentos oncológicos concentram a maior fatia do portfólio, com 35% do total, seguidos pelos musculares e esqueléticos (8,2%), imunológicos (7,8%) e anti-infecciosos (6,9%). Para hospitais menores e localizados fora dos grandes centros, essa infraestrutura é o que garante o acesso contínuo a tratamentos de alta complexidade.

A operação da distribuição é intensiva em custos e trabalha na margem máxima do risco. 83% das despesas do setor estão concentradas apenas na compra do medicamento, o que deixa espaço muito reduzido para logística, armazenamento e a qualificação das embalagens, exigidas para produtos sensíveis à temperatura. Além disso, 29% das entregas dependem de embalagens especiais e 20% do transporte aéreo, elevando o custo por unidade em regiões distantes. Em muitos casos, a distribuidora assume o risco de inadimplência dos hospitais, especialmente nos pequenos e nos que atendem o SUS. Segundo Maia, qualquer aumento tributário tende a comprometer a operação. Sem margem para absorver novos custos, o setor argumenta que a extinção dos benefícios fiscais torna toda a operação matematicamente deficitária – e, portanto, insustentável.

A distribuição já enfrenta desigualdades no acesso a medicamentos de alto custo. No Norte, a cobertura chega a apenas 61%; no Nordeste, a 67%; enquanto o Sul tem atendimento completo. Hospitais do interior e unidades que atendem majoritariamente o SUS dependem quase integralmente das distribuidoras para receber produtos de alto valor e baixa escala de compra. “A indústria não entrega em locais onde o risco de não receber é maior”, resume Maia. Caso os distribuidores reduzam atuação por falta de viabilidade econômica, o desabastecimento deve começar justamente nas regiões mais frágeis – onde o paciente já enfrenta os maiores obstáculos para acessar tratamento.

Nesse cenário, a Abradimex defende que o governo revisite o modelo de remuneração da distribuição, de forma a proteger o abastecimento nacional e garantir que medicamentos de alto custo continuem chegando a pacientes em todas as regiões do país. “O setor cobra que o governo e a indústria discutam uma política mínima de margem (12%)”, disse. O objetivo, segundo ele, é viabilizar a operação “sem aumentar o preço final ao consumidor”. A seguir, os principais trechos da entrevista com o presidente-executivo da entidade, Paulo Maia, sobre os impactos da reforma, os riscos à operação e as possíveis alternativas para evitar a ruptura da cadeia.

“O setor cobra que o governo e a indústria discutam uma política mínima de margem (12%)”

Paulo Maia

AGÊNCIA DC NEWS – Como funcionam as margens no setor?
PAULO MAIA – A margem da distribuição é muito curta no nosso segmento.

AGÊNCIA DC NEWS – Por que ela é curta?
PAULO MAIA – Antes, a relação entre fabricantes e distribuidores era equilibrada, com uma margem de referência em torno de 12%, embora não oficializada. Porém, para produtos da chamada “lista negativa”, o governo estabeleceu margens menor para a distribuição, visando compensar impostos como ICMS, PIS e Cofins. Essa decisão gerou distorções na relação comercial do setor. Agora, a indústria farmacêutica discute uma revisão desse modelo, especialmente sobre como a retirada de impostos deve ser considerada no preço e na formação do preço dos medicamentos.

AGÊNCIA DC NEWS – Por que isso mudou?
PAULO MAIA – Ao longo do tempo, a indústria foi reduzindo essa margem, apropriando-se de benefícios fiscais e alegando que distribuidores renunciam a margens para dar descontos. Hoje, as margens variam entre 2% e 8%, chegando a cair ainda mais em produtos exclusivos ou sob patente. A relação entre indústria e distribuidores se enfraqueceu, e nosso segmento vem operando com margens apertadas, sustentados majoritariamente por escala e logística.

AGÊNCIA DC NEWS – E a Reforma Tributária vai mudar esse cenário?
PAULO MAIA – A Reforma Tributária vai eliminar benefícios fiscais, tornando insustentável a atual política de remuneração. Se não houver revisão, vários distribuidores podem quebrar, ameaçando o acesso a medicamentos, especialmente em regiões distantes e hospitais menores, que dependem da rede de distribuição.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual seria a remuneração ideal para os distribuidores?
PAULO MAIA – O setor cobra que o governo e a indústria discutam uma política mínima de margem (12%) para viabilizar a operação sem aumentar o preço final ao consumidor. O risco, se nada mudar, é a redução no acesso a medicamentos e uma possível crise nacional no abastecimento.

AGÊNCIA DC NEWS – De onde viria essa crise?
PAULO MAIA – A indústria farmacêutica vende diretamente para hospitais grandes em centros urbanos, onde o risco de inadimplência é menor e o volume de compra é maior. Para hospitais em locais distantes, como o interior do Nordeste ou Manaus, a indústria não tem interesse em entregar devido à dificuldade de receber pagamentos e à inviabilidade da operação logística.

AGÊNCIA DC NEWS – Então, com uma gama menor de distribuidores, o acesso a medicamentos diminuiria?
PAULO MAIA – Isso. Somente os distribuidores conseguem levar medicamentos a essas populações e assumindo o risco financeiro de não receber o pagamento. Os distribuidores têm uma alta capacidade operacional para realizar essas entregas, são uma categoria muito competente. Mesmo com a baixa lucratividade, o setor faz seu trabalho, porque ninguém mais vai fazer.

Fonte: DC News